domingo, 19 de agosto de 2012

A beleza da dúvida

A beleza da dúvida- Inspirado no texto de Xico Sá 

Pois é.... Três impedimentos. E seguidos. O mundo Corintiano bradou: Injustiça!!! O que eu vi: Beleza!
Finalmente, algum homem da bandeira errou contra o Campeão da Libertadores...  Protegidos que são pelos "apitadores".... O futebol vive de momentos como esse. Erros clamorosos. Mas tão absolutamente claros, que se tornam um poema. Acabo de ler o blog do Xico Sá (http://xicosa.blogfolha.uol.com.br), e fiquei cá com meus botões pensando o que aconteceu com a dúvida. Onde foi parar, não só no futebol, a dúvida?

Vivemos em tempos estranhos. Onde todos temos certeza. E quando não as temos, buscamos num rápido toque num Iphone qualquer, a Santa Wikipedia para sanar todas as questões. Que mundo tolo é esse? Em outros tempos, caso discutíssemos, por exemplo, o ano que Cartola nasceu, alguns teriam uma ideia. Poucos teriam quase certeza. E pelo menos dois teriam convicção. E era o início da discussão; a mesa de bar ficava muito mais animada. Um batia no peito e com toda certeza desse mundo e de outros mais: "1909, não há menor sombra de dúvida. E digo mais foi lá pro finzinho de outubro". O outro, rindo ironicamente, afirmaria: " 11 de outubro de 1907 e não se fala mais nisso". Pesquisas seriam feitas em outras mesas, garçons seriam consultados. E até ligações para aquela tia fã de samba e quase centenária, seriam feitas. E torcidas organizadas, de um lado e de outro, espreitariam ao pé do Orelhão (lembra dele?), para testemunhar o final da discussão. E se tia Marinalva já estivesse dormindo, ficaria para a Barsa, quando chegasse em casa. Com aquele seu cheiro característico, no alto da estante...

Hoje, se colocarmos uma câmera no teto de um bar e tirarmos uma foto panorâmica em direção às mesas, veremos nucas cabeludinhas olhando para seus respectivos celulares. Muito próximos dos seus umbigos. E as discussões começam e se encerram, rapidamente, com certezas absolutas. E com todas as fontes possíveis. As mesas de bar estão muito mais silenciosas. Discussões acaloradas sobre dúvidas nascidas no calor das talagadas, com torcidas formadas e defendendo cada lado apaixonadamente, já não mais existem. Aquele amigo mais sábio, conhecedor de quase tudo, foi substituído sem misericórdia pelo "seu" Google. Sem choro nem vela, os tempos da dúvida e dos entreveros, causados pela vontade de dominar o saber, se acabaram em quase todos os campos da vida...

Não podemos nem nos perder mais.... Não temos o direito de errar o caminho!!! Quando não estamos seguros da rota e, em dúvida, dobramos naquela direita lá, ouvimos: "Recalculando, ande 150 metros e dobre à esquerda", com diversos tipos de vozes a escolher, o GPS é a verdade e o caminho. E até pra quem é mais careta, há o Google Maps. Imprime a direção, passo a passo, um pequeno mapinha e o caminho está traçado. Nada de pedir informação e ser mandado pro outro lado da cidade. Nade de parar no posto, rasgar o mapa tentando desdobrar (e nunca mais conseguir dobrar do jeito que estava). Ou procurar aquele Guia Quatro Rodas 1984, já amarelado, para tentar saber se a "Pousada do Barão" era  mesmo o melhor hotel de São Pedro da Coroa Espinhosa. Mais uma vez, ao alcance do botão, temos avaliações precisas, opiniões de quem já esteve lá e  fazemos o "check in", cheios de certeza.

Por isso, saúdo o futebol e seus erros. Posso estar enganado, mas a tecnologia pode ser utilizada para sanar dúvidas em quase todos esportes. Mas não no nosso querido futebol. Nem um replayzinho no estádio é permitido. Quando estamos num campo e um lance no qual um erro magistral como o do bandeirinha desse último Santos e Corinthians acontece, a discórdia é semeada. Discussões entre torcedores acontecem na arquibancada, mutias vezes dentro da mesma torcida! No gramado, alguns jogadores consultam o goleiro, outros vão xingar ou aplaudir o bandeirinha. Mas a dúvida paira. Pelo menos até o intervalo ou até o fim do jogo, quando consultam o infeliz do tira-teima. E aí, a bela dúvida se encolhe e vira, tristemente, uma certeza. Peço à Fifa que nunca se renda à tecnologia dentro dos gramados. Para que não terminemos enterrando de vez a dúvida. E para que não vivamos, também no futebol, a neurose da eterna certeza.


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