quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Sol de Inverno



Ela sentiu frio. Fazia 23 graus em Recife. E ela sentiu frio. Disse que a “friagem” vinha desde a espinha e lhe fazia tremer. Eu ri. Frio com 23 graus? Ela sorriu de volta e pediu um abraço. Assim, com o braço em volta dos seus ombros, seguimos andando, à beira do Capibaribe, em direção ao Cinema São Luiz. Falou da reforma do prédio e das salas do Cinema com os olhos brilhando. Era apaixonada por essa cidade. Tinha nascido aqui. Ficou anos fora e voltava, depois de quase uma década. Conheceu o mundo, morou na Europa. Esteve na Índia. Pescou no Alasca, banhou-se no Ganges. Subiu o Himalaia e os Andes. Morou no norte do Canadá. E eu pensava: Por que raios voltou? A timidez e a saudade não me deixavam perguntar. E ela falava. Contava das belezas que viu pelo mundo. Do frio do norte, do sol da Índia. Do vento Andino. Eu, sem nunca ter ido mais longe que a Paraíba (ok, já estive em Natal), ficava abestalhado, só sonhando com o que ela me contava.

Cruzamos a ponte. Ela cantarolou Lenine. “Caminhar pelas águas nesse momento”. Disse que nunca deixou de ouvir música daqui. Mas tinha conhecido o Rock Alternativo, Trance, música folclórica de todos os países que esteve. Dizia, sem modéstia nem arrogância: Minha vida foi uma “National Geographic” em movimento. E eu, embasbacado, me perdia no infinito dos seus olhos verdes. E ouvia suas histórias. E lembrava da minha viagem pra Pedra do Ingá na Paraíba, onde vi as inscrições mágicas. E lembrava que minha vida era, no máximo, um “Guia Quatro Rodas”, e só a Edição Nordeste. E ainda da lombra e do enjoo da volta desse passeio, depois de tomar um litro de Pitú. Tinha 15 anos e era quando Chico Science começava a fazer sucesso nacional… Eu mencionei a viagem e ela se lembrou. “Como me esqueceria?”, perguntou rindo… Foi ali que eu tomava meu primeiro fora. Ela fechou um dos olhos e comentou, matreira,  que era paranoia minha. Que ela tinha dito "sim", eu ouvi "não" e que o som estava muito alto no meu walkman. E ainda tinha vômito no canto da minha boca…Ela era a minha “Risoflora”…

Já chegando em frente ao cinema, depois de tudo que ela me contou, eu tomei coragem e perguntei: Por que então voltou? Foi a saudade do Maracatu? Do Recife Antigo? De dançar Ciranda em Itamaracá? Meu coração pulsava e dizia “pergunta se foram saudades suas, vai…pergunta!” Ela só sorria e fazia que não com a cabeça; Eu seguia: Das praias? Do verão? Da Família? E o coração gritando: “Pergunta se eram saudades suas, seu imbecil!” Ela suspirou. O coração parou por um segundo e ela disse: “Se eu contar você não vai acreditar… Eu voltei por causa do sol de inverno maravilhoso desse nosso Recife….” "Sol de Inverno??? Sol de Inverno????", queria gritar. O coração começou a bater descompassado. Girou mais que a minha cabeça naquela volta da Pedra do Ingá. Coloquei os fones no ouvido. Já havia preparado para esse momento. Tocava, no último volume: “Oh Risoflora não me deixe só…” Entramos no cinema. A música alta nos ouvidos não me deixava pensar. Eu mal lia os seus lábios: “Tire o fone, tire o fone”….Minhas mãos pousaram levemente no seu pescoço. Ela ria… até sentir o aperto. Vi seus olhinhos verdes se enrubescerem. Quando ouvi o estalo da sua cervical, percebi que tinha acabado a bateria do Ipod.  Ainda ecoava no meu ouvido “Oh Risoflora…não me deixe só”. Saí do cinema. Eram 5 da tarde e o “sol de inverno” começava a se pôr….

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