Ilustração by Olivier Bonhomme
O que mais impressionava, eram as palmeiras e o jazz...
Sem notar que tudo mais girava, o Cuba-Libre fazia efeito
E sem poder mais dançar, mexia sonolento os pés
E logo morto jazia, sem o que era seu de direito
O calor insuportável lembrava sua infância no Oeste Paulista... Mas não. Nada seria parecido com o que sentia naquela ilha. Aquela gente, aquele som. Aquele sopro severo, a voz rouca e forte do cantor, somada às talagadas da sétima Cuba-Libre deram-lhe coragem suficiente: Nada de hotel. Ia explorar a cidade. Esperou a banda terminar aquela improvisação. Já não conseguia nem aplaudir. Movimentou-se com dificuldade. Mas, resoluto, tomou um gole de alguma bebida da mesa do lado. Nem ouviu os protestos. Já estava do lado de fora.
A noite não refrescava nada. Entretanto, o suor escorrendo, aparentemente, não parecia arrancar o álcool do seu corpo. Mas, depois de 15 minutos andando, deixara de cambalear. Quando se está num lugar diferente, tudo é surpreendente. Tudo parece calmo. Tudo está por descobrir. E aquela ruela era igual a todas as vielas do mundo. Também não era novo o ritual de encostar na esquina e vomitar. E seguia andando, a esmo, navegando livre numa onda de calor que beirava o ridículo:
- Ninguém merece um calor desses!!!! Ninguém!!
Conversava com o infinito. Que também não queria responder. Mais horas foram se passando. E calmamente deixava de sentir os efeitos dopantes da bebedeira. Mas já estava completamente perdido. Quando ouviu alguém sussurrar seu nome. Olhou, assustado: "Quem caralhos me conhece aqui nessa porra?" Nenhuma resposta. Começou a perceber que a rua vazia, quase sem casas, terminava numa encruzilhada. E aquele medo, comum a quem está sozinho, bateu. E ouviu seu nome de novo dessa vez mais alto: " Raul!"
Tentava controlar o medo. Mas um calafrio percorreu toda sua alma. Será que a sua hora tinha chegado? Ou simplesmente perdera totalmente a lucidez? Começou a andar mais rápido.
"Raul.... Raul.... Raul...."
Ouviu de novo. O som era claro e a voz era grave e rouca. Começou a correr. Só não sabia onde ia. Mas não deixava de correr. Cada passo mais rápido, mais a voz perseguia:
" Raul... Raul...Raul..."
Desespero. Começou a querer gritar. Mas a voz não saía.... E começou a pensar absurdos enquanto corria: " É a vingança, sabia que esse dia iria chegar".... E aquele chamado o perseguia. Para onde quer que fosse... Corria em diagonais, pensava em bater em alguma casa, mas o que diria? Mal sabia falar a língua desse povo....e ouvia:
" Raul....Raul....Raul...."
Cada vez mais perto, quase sussurrando ao seu ouvido.
"Raul, Raul...."
Quando avistou o bar. De longe podia ver os mesmos músicos ainda tocando. O bar. A salvação. Já não aguentava mais correr. Chegou, tropeçando no balcão do bar... Quase aos gritos, interrompendo a banda de Acid Jazz disse, desesperado, caprichando no sotaque "portunhol":
-Garçon! Por...favor, mas una Cuba- Libre, señor.
E metendo a mão no bolso, olhou para o frasco de Rivotril e pensou: "Amanhã vou tomar um só...."
O sol já começava a apontar no horizonte e o grupo de Jazz tocava cada vez mais alto, saudando o que, mal sabia ele, seria sua última alvorada....
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